Há muitas ‘coincidências divinas’ na história da Diáspora desembocando na história das quatro famílias ancestrais de minha mãe. Diáspora é palavra em língua portuguesa praticamente transliterada da homófona em grego, que significa dispersão por entre povos; tem seu equivalente nas palavras hebraicas tfutza (dispersão) e, principalmente, gulat (dispersão, exílio). No que se refere à descendência étnica de Abraão, o patriarca-mor dos hebreus, aponta para eventos de dispersão de seus descendentes por entre povos da terra.
Desde o retorno do povo hebreu do Egito, onde foi cativo nos últimos de seus anos naquele exílio, a nação de Israel se organizou e se estabeleceu ao norte do Sinai; isto se deu por volta do décimo-quinto século antes de Cristo. Essa organização foi demarcada por doze patriarcados – as doze tribos de Israel. Após Moisés, sucederam-se governantes chamados juízes, cuja história está no livro bíblico de mesmo nome. Com o rei Davi, por volta do décimo século antes de Cristo, a sua capital se estabeleceu em Jerusalém; assim, a capital se tornou conhecida como “a Cidade de Davi”.
Uma das condições que Deus estabeleceu para sua perenidade como nação foi a fidelidade: os israelitas foram exigidos cultivar a religião monoteísta que tinha por alvo de culto e obediência o Deus de Abraão, de Isaque, de Jacó, de Moisés. A infidelidade a Deus foi, por previsão Dele, alvo de uma ameaça radical: a dispersão da nação por entre as demais nações do mundo; esta advertência foi deixada por Moisés no livro de Deuteronômio, capítulo 28.
Passado o tempo da ocupação da sua “Terra Prometida”, veio o tempo do governo dos juízes. Dos juízes, Israel passou à realeza. Entretanto, logo após a morte de Salomão, filho de Davi, a imperícia do seu filho Roboão acarretou a divisão do reino: surgiu o reino do Norte, que ficou com o nome de Israel, e surgiu o reino do Sul, que adotou o nome de Judá, porquanto composto por apenas duas tribos dentre as doze – Judá e Benjamim; as outras dez constituíram o reino do Norte. A capital do reino de Israel passou a ser Samaria; a capital de Judá se manteve em Jerusalém.
A partir de 733 antes de Cristo, o nórdico reino de Israel começou a sofrer sua diluição como nação, sob o domínio do Império Assírio; várias de suas famílias começaram a ser deportadas, começando-se assim uma diáspora israelita. Em 722 a.C., essa diáspora culminou com a destruição completa de Samaria, e a extinção do reino. As dez tribos que compunham aquele reino perderam, por assim dizer, sua identidade nacional e étnica, porque os assírios lhes misturaram com vários povos dos seus domínios. Permaneceu existindo a nação sulina de Judá.
Porém, em 586 a.C. consumou-se a primeira diáspora judaica, com o jugo babilônico sob o comando de Nabucodonosor. Parte dos judeus foi deixada na sua própria terra, mas a maior parte foi levada para o cativeiro em Babilônia, que durou 70 anos. O retorno desse povo para reconstruir sua nação se deu por permissão do rei persa Ciro, que subjugou Babilônia.
Nos dias do imperador grego Alexandre, o Grande, vários judeus foram novamente espalhados por cidades daquele império. O domínio egípcio de Ptolomeu, um dos detentores do espólio de Alexandre, promoveu o expatriamento de muitos judeus; a cidade egípcia de Alexandria, por exemplo, recebeu grandes levas de judeus. Antíoco Epifânio, da Síria, determinou o expatriamento de milhares de judeus, especialmente para a Frigia (centro-oeste da Ásia Menor) e para a Lídia (extremo oeste da Ásia Menor).
Pouco tempo depois, surge um novo império com domínio ainda maior do que o babilônico, o persa e o greco-macedônico: o Império Romano, no segundo século antes de Cristo. Os romanos instituíram uma província no entorno de Jerusalém, que ficou conhecida como Judéia, habitação do remanescente dos judeus. Por volta do ano 70 da era cristã, ocorre uma primeira rebelião contra o jugo romano, e a cidade de Jerusalém foi totalmente destruída, depois de severo cerco conduzido pelo general Tito, filho do imperador Vespasiano; era a primeira guerra judaico-romana. O gérmen da diáspora judaica sob os romanos começa ali, e Jesus profetizou esse acontecimento (Lucas 21.24). Embora já existissem colônias de judeus em várias cidades do império, a diáspora forçada era mais uma forma de repressão naquele evento.
Por volta do ano 132 da era cristã, a guerra judaico-romana ressurgiu e recrudesceu, tendo a liderança judaica por um messianista chamado Shimon Bar-Kochba. Os romanos sofreram alguns vexames, pelo que reforçaram seus contingentes para combater o exército de Bar-Kochba. Isto resultou em sangrentas e cruéis batalhas, que extrapolaram a Judéia, desbarataram as forças judaicas e culminaram com maior de todas as dispersões de judeus na história, agora por entre as colônias romanas.
Judeus que se espalharam pelas regiões européias excetuando a península ibérica se tornaram tradicionalmente conhecidos como ashkenazim. Asquenaz era filho de Gômer, neto de Jafé, bisneto de Noé; a tradição conta que seus descendentes ocuparam a Europa norte. Judeus que se estabeleceram no norte da África e na província romana da Hispania (na época, incluía a província Lusitânia, quase o território da Portugal moderna), se tornaram tradicionalmente conhecidos como sefarditas. Como anteriormente informado, Sefarad é nome em hebraico transliterado na tradição judaica que identificava a Ibéria (Espanha e Portugal). A referência a Sefarad, no Antigo Testamento bíblico, está em Obadias 1.20 (profeta também chamado de Abdias).
A Ibéria passou a acolher, tanto pelo movimento migratório via Europa ou via Mediterrâneo, quanto pelo movimento oriundo da África (após a expansão islâmica), o maior contingente judeu da Diáspora dos tempos romanos, o que chegou ao auge às vésperas da descoberta da América; esse último acontecimento foi simultâneo com a deflagração da Inquisição na Espanha. Entre os séculos X e XII, deu-se o período chamado de “Era do Ouro do Judaísmo Ibérico” (ou Judaísmo Sefardita). Entretanto, a Inquisição deflagrada em 1492 levou muitos judeus em fuga para Portugal, para a África, para outras regiões da Europa e para as Américas.
Aqueles que fugiram da Espanha para Portugal se arrependeram em poucos anos, porque em 1496 também naquele país foi deflagrada a Inquisição. Muitos deles foram forçados a se “converter” ao cristianismo católico romano, fato que criou a expressão “cristão-novo” para designar um judeu batizado no catolicismo. Entre estes cristãos-novos, a história revelou o fenômeno do marranismo: “marrano” é vocábulo de origem moura em Portugal, que originalmente designa um porco; como adjetivo, passou a ser usado depreciativamente para alguém sujo, imundo. No contexto da Inquisição, foi adotado para designar judeus cristãos-novos de quem se descobriu haver mantido sua religiosidade judaica em secreto. Marranos descobertos foram excomungados (por isto, marrano também equivale a “excomungado por sujeira, impureza”), perseguidos e até torturados.
Em decorrência, muitos desses judeus passaram a adotar sobrenomes distintos de suas origens judaicas, como forma de disfarce. Embora não exclusivos dos marranos, sobrenomes identificados com animais (Leão, Carneiro, Lobo e seu derivativo Lopes, etc…), com cidades (Miranda, Setúbal, Castelo, Torres, Villa Nova, etc.), com aspectos da natureza (Silva, Oliveira, Figueira, Carvalho, Horta, Barbosa, etc.), passaram a ser adotados em substituição aos seus sobrenomes de origem familiar. Em certos casos, parte desses sobrenomes já existia no meio de tradicionais famílias; a adoção deles por parte de judeus representava uma chance real de camuflar sua verdadeira identidade. Com isto, vários deles ganharam sobrevida.
A presença de judeus em países predominantemente católicos passou a ser uma aventura de risco. Grandes cidades não católicas, como Londres, Hamburgo e Amsterdam, passaram a constituir núcleos de preservação da cultura e história judaica, com especial ênfase para judeus oriundos de Portugal e da Espanha. Posteriormente, o mesmo se deu na América do Norte, especialmente em Nova Amsterdam (Nova Yorque).
Este fenômeno também alcançou o Brasil. Embora oficialmente uma colônia portuguesa em que a religião oficial era o catolicismo, não se criaram muitas dificuldades para acolhimento de judeus portugueses. Algo semelhante aconteceu com migração de judeus espanhóis para a Argentina. A fase de dominação holandesa no nordeste brasileiro (1624-1654) foi especialmente favorável à imigração judaica: o governo de Nassau adotara política semelhante à dos Países Baixos, isenta de restrições à presença judaica. Nesse tempo, foi grande a ampliação de imigração judaica para o nordeste brasileiro, onde os imigrantes se tornaram produtores rurais de projeção. O mesmo aconteceu com a capitania e, depois província de Minas Gerais: o cultivo da terra e a exploração de riquezas (com especial interesse pelo ouro) trouxeram muitos para as terras mineiras.
Assim, eis um fato interessante: a primeira sinagoga judaica das Américas surgiu em terras brasileiras – foi a Sinagoga Kahal Zur Israel (“Rocha de Israel”), inaugurada em 1637 na cidade do Recife, Pernambuco, em pleno período holandês. Hoje, o local é museu e arquivo histórico de cultura judaica. O fim da presença holandesa (1654), com a retomada do domínio português, acarretou fuga em massa: alguns se refugiaram nos interiores do norte e nordeste, camuflando sua identidade; outros voltaram para a Holanda; outros mais, desembarcaram na Nova Amsterdam da América do Norte. Ali, judeus portugueses oriundos do Brasil fundaram, em 1654, a primeira sinagoga da América do Norte, que viria a se transformar na Congregação Shearith Israel (“Remanescentes de Israel”).
Oficialmente, a última diáspora judaica se encerrou em 1948, quando foi proclamado o ressurgimento, depois de quase 2 mil anos, do estado de Israel (Eretz Israel). De lá para cá, o movimento Sionista (retorno a Sião) levou muitos a se fixarem no novo país, sua nova pátria. Contudo, até hoje ainda há mais judeus residindo fora de Israel do que lá; só nos Estados Unidos da América há o maior contingente de judeus fora de Israel: mais de 6 milhões – quase o mesmo número dos que habitam no seu país do Oriente Médio.
Voltando ao início da abordagem deste primeiro apêndice, vem a pergunta: por que os judeus foram submetidos à dispersão, às diásporas? A resposta bíblica é aquela de Deuteronômio 28, reverberada pelos profetas: infidelidade, rebeldia, desobediência, letargia de consciência em relação ao seu Deus. Na minha humilde opinião, as diásporas judaicas servem de advertência ao mundo; são sinais ao mundo apontados: Deus os fez “errantes” sem pátria em terras alheias, porque O ignoraram, Dele desdenharam. O mundo contemporâneo corre risco de dimensões semelhante, na esfera espiritual, tal o seu desdém, sua apostasia, seu descaso para com Deus! E isto não é mera coincidência!