Pelo antecedente capítulo que fala sobre Basílio Nora e descendência, já sabemos algumas coisas sobre a família Nora: que se estabeleceu no Vale do Paraíba fluminense, oriunda do português Comendador Manuel José dos Santos Villa Nova (1790-1875); que o sobrenome Villa Nova passou a ser substituído por “Nora” na descendência daquele Comendador português, muito provavelmente como readoção por conta do fim da Inquisição portuguesa; ou seja, com o fim do risco de identidade judaico-sefardita. Também sabemos da alta probabilidade de uma profusão mais ampla desse sobrenome entre famílias asiáticas e européias, podendo haver trazido mais portadores dele para o Brasil colonial e imperial.
Quanto ao Comendador Manuel José dos Santos Villa Nova, da cidade do Porto em Portugal, era ele, por profissão, escrivão do Primeiro Distrito Criminal da Cidade do Porto, e oriundo da freguesia de Villa Nova daquela comarca (daí o sobrenome final). Foi ele o pai de Antônio José dos Santos Nora (1829-1877) e, portanto, avô do bisavô de minha mãe, Basílio José dos Santos Nora (1855-1932).
Manuel José casou-se naquela cidade lusitana em dois matrimônios sucessivos: primeiro matrimônio, com Margarida Roza de Jesus, que passou a ser Margarida Roza dos Santos, no casamento; segundo matrimônio, com Rita de Cássia Sequeira (que também assumiu o sobrenome Santos). Com a segunda esposa, Manuel José não gerou filhos; com a primeira, o seu testamento anota três filhos sobreviventes àquele tempo: Bruno, Antonio e Leopoldina. Uma vez que o testamento que deixou[1] não inclui outros herdeiros, é apropriado concluir que os demais filhos do primeiro casamento ali mencionado, e que faleceram antes da lavratura, não deixaram filhos.
O testamento de Manuel José dos Santos Villa Nova tem grande relevância histórica e genealógica, uma vez que determina alguns dados importantes: a cidade de residência (Porto, Portugal), a data da lavratura (01/08/1868), os nomes das duas esposas (Margarida Roza e Rita de Cássia) e a prole com a primeira esposa: Bruno, Antonio e Leopoldina; esses três filhos eram nascidos e criados no distrito de Villa Nova de Gaia[2], município do Porto, Portugal. Compulsando os registros ocorridos no Brasil, pesquisadores e genealogistas abalizados encontraram a certidão de óbito do “Comendador Bruno José dos Santos Nora”, cujo falecimento se deu em 10/09/1893, na capital federal do Rio de Janeiro, a qual traz alguns dados que elucidam bastante a família no Brasil: este “Comendador Bruno José dos Santos Nora” era dado como nascido em Portugal, era filho do “Comendador Manuel José dos Santos Villa Nova e sua esposa Margarida Roza dos Santos”, tendo deixado 13 filhos maiores. O declarante do óbito junto ao “Cartório da Quinta Pretoria” foi o próprio filho, designado como “Doutor Bruno José dos Santos Nora”; portanto, mesmo nome do pai e, por conseguinte, neto do “Comendador Manuel José dos Santos Villa Nova”, de Portugal.
Tem-se aí a sucessão do Manuel José dos Santos Villa Nova acima citado para seu primeiro filho citado em testamento, Bruno José dos Santos Nora. Da mesma forma, os registros relacionados a filhos de Antonio José dos Santos Nora dão conta de que seus avós paternos foram Manuel José dos Santos Villa Nova e Margarida Roza de Jesus. Isto prova que o “Antonio José dos Santos Nora”, pai de Basílio Nora, era filho do português do Porto, o Comendador Manuel José dos Santos Villa Nova; portanto, era irmão do Comendador Bruno José do Santos Nora e de sua irmã Leopoldina.
Da descendência de Antonio José tem-se o Basílio José dos Santos Nora, bisavô da minha mãe, de quem também nasceu Anníbal José dos Santos Nora; aliás, desde antes de Manuel José, nota-se uma tradição na família, de apor o nome José ao primeiro nome de cada filho. A história deste último personagem é recheada de ‘coincidências’ divinas que promovem novos rumos à história que chega até minha mãe.
Anníbal José dos Santos Nora – Breves Notas Biográficas[3]
Nasceu em Arrozal do Pirahy, hoje distrito do município de Piraí, Rio de Janeiro, em 03 de agosto de 1877. Era filho de Basílio José dos Santos Nora e de sua primeira esposa (e prima), Maria Rita Monteiro. Em fins de 1881 sua família se mudou para Mar de Espanha; Anníbal já tinha, naquele tempo, as irmãs Alice, Atalíbia, e Aurora (esta, com menos de dois anos de idade). Pouco tempo depois, chegou a irmã mais nova, Castorina, filha do segundo matrimônio, com Ricardina Roux; Anníbal estava com sete anos de idade.
Após a abolição da escravatura (1888), e da Proclamação da República (1889) mudança radical da economia no país forçou a família a mudar-se para Manhuaçú, em Minas Gerais; Anníbal estava com dezessete anos, já pensando em como aprumar-se na vida. Por uma sequência de ‘coincidências’ divinas, saiu de casa em busca de trabalho aos vinte e dois de idade, e foi parar na fazenda de um tio no município de Lençóis, estado de São Paulo. Esse tio, Francisco Augusto Pereira, era da “religião do diabo” – aquela em que os fiéis eram recomendados ler a Bíblia todos os dias, em sua própria língua materna. Fazer o que? Precisava trabalhar, precisava romper na vida. Mesmo com medo de se aproximar daquela gente, teve que fazê-lo; não havia outra opção.
A chegada do jovem Anníbal à fazenda do tio se deu em novembro de 1900, num Domingo à tarde; viu-se ele constrangido a acompanhar a família anfitriã a um culto protestante. Mas, para sua surpresa, o culto nada teve a ver com o diabo… Pelo contrário! No mesmo culto, ganhou ele um exemplar da Bíblia, a qual passou a ‘devorar’ nos dias seguintes. Isto o levou a juntar-se, em poucos dias, num passo de fé e de conversão conduzido pelo Espírito de Deus, segundo a obra de Jesus Cristo, àqueles aos quais antes temia. Em dois meses, leu a Escritura de capa a capa.
O entusiasmo da recente conversão logo o fez pensar em sua família, em querer a conversão dos seus também. Imediatamente escreveu ao seu pai, descrevendo a nova vida e conclamando-o ao mesmo rumo. Mas, isto demoraria ainda um tempo. Ao escrever e mandar literatura para seu pai, este lhe respondeu: “Lembre-se de que você saiu de casa para ganhar dinheiro e arranjar a vida, e não para tratar de religião, que não dá pão nem agasalho a ninguém”.
Em 1901, foi recebido por batismo e profissão de fé na Igreja Presbiteriana em Lençóis. Por ser um cidadão relativamente bem escolarizado – era professor primário certificado, dedicado à leitura e desenvolto no falar – foi logo convidado a colaborar, com ensino da Bíblia e pregações. A primeira delas – sobre João 14.27 – deixou-lhe um sabor especial, que influenciaria o resto de sua vida. Em 1903, a casa do seu tio, Coronel Francisco Pereira, recebeu seminarista presbiteriano – Manoel Alves Brito (1880-1968). A amizade entre Anníbal e Manoel logo se estreitou.
Dos meados de 1901 até fins de 1902, fez pregações em vários lugares pelo interior do estado. De 1903 a 1908, cumpriu, em sequência, estudos do então Curso Madureza, no Mackenzie College e o curso no Seminário Presbiteriano, em Campinas. Foi ordenado na Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro em 06 de setembro de 1908. No mesmo dia, o Presbitério do Rio de Janeiro o designou para atender ao campo de Alto Jequitibá, MG, e toda a sua redondeza. Naquele mesmo ano, casou-se com uma jovem organista da igreja, que passou a assinar Constância Lemos Nora.
Em Alto Jequitibá, então integrante do distrito de Pirapetinga (depois Manhumirim), que pertencia ao município de Manhuaçu, o casal teve aquela que seria sua única filha – Ester, que nasceu em 27 de março de 1912; Deus permitiu que ela ficasse com os pais por apenas 11 meses incompletos, e então a tomou para Si, em 07 de fevereiro de 1913.
Alto Jequitibá se tinha tornado pólo de afluência de imigrantes suíços e alemães, especialmente oriundos da região de Nova Friburgo, em busca de novas terras e oportunidades. Ali, Anníbal exerceu o ministério pastoral presbiteriano de 1908 até 1927. No seu segundo ano (1909), criou, juntamente com a esposa e com o conselho da igreja, a Escola Primária; em 1922, a escola se transformaria em gymnasio (após sua saída da cidade, transformou-se em colégio). Seu trabalho naquela cidade foi marcante; aliás, a influência se estendeu por uma ampla região, que incluiu norte do estado do Rio, parte do Espírito Santo, e grandes territórios em Minas, chegando até Figueira do Rio Doce em 1917 (hoje, Governador Valadares).
Como visto em capítulo anterior, o filho de sua irmã Castorina, chamado Francisco, tomou parte da equipe pioneira de professores do ginásio. O casamento desse sobrinho com a filha mais velha de Ernesto José Heckert, chamada Eunice, acabou por entrelaçar as famílias Nora e Heckert. Durante seu tempo na cidade, seu pai e sua “segunda mãe” acabaram por também estabelecer domicílio ali; da mesma sorte, dirigiu-se para lá sua irmã Castorina, alguns anos após enviuvar de José Pires Horta Barbosa. Na própria família, a influência de Anníbal desencadeou apego às Escrituras Sagradas.
Em 1929, Anníbal e Constância deixaram Alto Jequitibá, assumindo por dois anos trabalho em Florianópolis, SC. Posteriormente, foram mais dois anos em Sengés, no Paraná, até que se fixou em São Gonçalo, RJ. No tempo deste último campo de trabalho, criou o Lar Samaritano de São Gonçalo, onde também residiu, até dezembro de 1962. Com o agravamento do estado de saúde de Constância, o casal “transferiu sua residência” para o Hospital Evangélico do Rio de Janeiro, onde a esposa faleceu, em 23 de agosto de 1966; ali também faleceu ele, em ditosa velhice de 93 anos, em 15 de janeiro de 1971.
NOTAS:
[1] Testamento lavrado a pedido na cidade do Porto, Portugal, em 1º de agosto de 1868. Fonte: https://gisaweb.cm-porto.pt/units-of-description/documents/19768/?
[2] Nome composto, resultante da fusão de dois distritos: Villa Nova e Gaia.
[3] Resumo produzido a partir de sua obra, Autobiografia, publicada em 1966 como “Edição do Lar Samaritano”, São Gonçalo, Rio de Janeiro, com acréscimos por conta deste estagiário escriba. Oportunamente, a obra será restaurada na íntegra por este descendente, e disponibilizada, com alguns ajustes necessários, em forma digital.