No Brasil, em dias anteriores à independência, a tentativa de promover imigração com suíços não logrou os resultados esperados pela corte. Vários suíços debandaram da região de Nova Friburgo, esvaziando-a. As autoridades brasileiras começaram a pensar em alemães para ocupar o vácuo deixado pelos suíços ainda antes da independência. No entanto, o movimento de independência acabou por pausar as iniciativas. Por outro lado, uma vez declarada a independência, Dom Pedro I temia pela sua segurança e a de sua família: muitos portugueses que estavam no Brasil poderiam se voltar contra ele, em movimento de fidelidade à pátria-mãe. Por isto, nada melhor do que europeus com experiência militar para compor uma força imperial de segurança e defesa.

O país recém criado, e geograficamente imenso, era um oceano de oportunidades. O regime econômico baseado no escravismo já dava claras mostras de seu ocaso; era preciso preparar o caminho de avanço nacional com novos contingentes para explorar a agricultura e a subsistência; e solo, para isto, havia de sobra no Brasil. Como resultado, José Bonifácio de Andrada e Silva, em comum acordo com a imperatriz Leopoldina, que era austríaca, influenciaram Dom Pedro I a reeditar o plano de admissão migratória, desta vez voltado para alemães, tal como tinha inicialmente planejado Dom João VI. Pelo lado alemão, assim como ocorrera com os suíços, houve incentivo para a vinda de cidadãos seus: isto poderia significar garantia de novas fontes de riquezas e alimentos a serem levadas para a Alemanha, enquanto se abriam portas para importação, para o Brasil, de máquinas e produtos daquele país.

Embora já houvesse um pequeno contingente que criou uma colônia no sul da Bahia desde 1818, foi após a independência que a imigração alemã planejada aconteceu. Porém, um dos integrantes daquela pequena colônia alemã na Bahia se tornou peça central e importante na execução do plano: trata-se do médico e militar russo-germânico Georg Anton von Schäffer (alguns escrevem Schaeffer). O Major Schäfer conheceu o Brasil em seu trajeto de retorno de uma frustrada campanha de ocupação do Havaí em nome do Império Russo.

De passagem pelo Rio de Janeiro, visitou a princesa Leopoldina, esposa do príncipe Dom Pedro, com quem podia conversar sem embaraços na língua alemã. Por meio da princesa, ficou conhecendo Dom João VI. O rei ofereceu-lhe possessão na colônia alemã na Bahia, o que o convenceu a voltar para ficar no país. Quando José Bonifácio, no ano de 1822, em comum acordo com a iminente imperatriz Leopoldina e o iminente imperador Dom Pedro I, pensou em alguém para ser o Agente de Negócios Públicos da coroa, ninguém melhor – pensaram – do que o Major Schäfer. O plano da independência já estava arquitetado em Agosto de 1822, quando Schäfer foi oficialmente incumbido de buscar militares alemães, disfarçados de agricultores.  Assim, o exército da futura nação brasileira já nasceria com uma espécie de legião estrangeira inserida nos seus quadros.

E foi assim que Schäfer partiu para a Europa, onde começou a aliciar alemães para se mudarem para o Brasil, mudando, também, sua nacionalidade para o resto das suas vidas. O primeiro navio, o Argus, partiu de Amsterdam, na Holanda, em 10 de setembro de 1823, chegando ao Rio em 13 de janeiro de 1824. Depois dele, mais oito navios chagaram ao Rio de Janeiro, até 1825. No Argus, um pastor luterano acompanhava o grupo, admitido para servir de cura d’almas dos protestantes que havia nos grupos imigrantes. Os alemães começaram por ser enviados a Nova Friburgo, de modo a preencher as lacunas deixadas pelos suíços que debandaram. E assim, 1824 é o ano marco da imigração alemã organizada pelo novo governo brasileiro para este país. Após 1825, mais uma grande quantidade de navios chega ao Brasil, até o ano de 1829. No próximo apêndice, que traz algumas informações sobre a imigração suíça, há dados históricos que ajudam a compreender melhor este cenário.

Em 11 de novembro de 1837, depois de partir do porto francês de Havre, chega ao Rio de Janeiro o navio Justine. Nele, se encontrava o patriarca da família Heckert que se instalou no Brasil: Jakob Heckert (1790-1857), que era da cidade de Münster, na província norte-renana da Westfália, na Alemanha. Essa província é constituída de importantes e históricas cidades, além de Münster: Bonn, que foi capital da Alemanha Ocidental pós-guerra, Dusseldorf, Dortmund, Colônia, por exemplo. Naquela região, várias famílias de judeus asquenazes se instalaram, em decorrência da Diáspora.

Pra finalizar este apêndice, reproduzo aqui anotações já registradas em capítulo anterior, que fala de Felippe Eduard Heckert, bisavô materno de minha mãe (sem as notas de rodapé lá constantes):

Esse casal de agricultores, oriundo da cidade de Münster, na região alemã da Westfália (a Renânia-norte), estava unido pelo casamento desde 1811. Na viagem de vinda, já traziam oito filhos, sendo que o oitavo lhes nasceu provavelmente pouco antes de zarparem em Havre, na França. O segundo de entre esses filhos era Peter Joseph Heckert, nascido no ano de 1822 em Münster; portanto, chegou ao Brasil com 15 anos de idade. Casou-se ele em 1846 com Maria Elizabeth Schott (1827-1898).

Como praticamente todos os nomes de famílias de origens camponesas alemãs, Heckert também é um sobrenome que remete a determinada atividade laboral predominante. As pesquisas mais acuradas apontam para a palavra heker, de origem Iídiche, que significa “açougueiro”; embora alguns linguistas também apontem para a possibilidade da atividade de lenhadores, sabe-se hoje que a maior probabilidade aponta para os profissionais do manejo das carnes comestíveis. Portanto, Heckert é um sobrenome típico de judeus askenazim, isto é, germânicos de origem judaico-eslava que ocuparam espaços europeus orientais, e migraram majoritariamente para a Alemanha nos começos da era moderna.

Foi do casamento de Peter com Maria Elizabeth Schott, já em solo brasileiro, que nasceu o pai do ‘vovô’ Ernesto, a saber, Felippe (ou Philipp) Eduard Heckert, em 23 de novembro de 1852, em São José do Ribeirão. Portanto, tal nascimento se deu quinze anos após a chegada do seu pai, vindo da Alemanha. Felippe era um dentre dez irmãos, filhos de Peter e Maria Elizabeth.

 

 

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