Coincidências, coincidências! Muita coisa parece coincidência, mas não é: O Senhor estabeleceu o seu trono nos céus, e como rei domina sobre tudo o que existe” (Salmo 103.19, NVI).

      O avô paterno da minha mãe – José Pires – legou aos descendentes seu sobrenome “Horta Barbosa”.  Na geração dele, já se tratava de um sobrenome composto, e não de dois sobrenomes; isto, pelo menos a partir da união dos avós dele. É preciso elucidar isto melhor, mas fica para um capítulo adiante… José Pires Horta Barbosa foi o primogênito de Antonio Agostinho Horta Barbosa (1843-1910) com sua primeira esposa, Francisca Basílio Pires – Francisca Pires Horta Barbosa (1858-1884), a partir do casamento. Acerca deste casal, como também da segunda esposa (após o falecimento de Francisca), e ainda dos 11 filhos de dois matrimônios, falo mais adiante nesta série.

      O casal José Pires e Castorina teve seu matrimônio ocorrido na fazenda do Japú, então distrito de Santana do Manhuaçu, circunscrito ao município de Manhuaçu; isto se deu em 29 de novembro de 1902. Meu bisavô, José Pires, estava com 25 anos de idade, e era tratado como “Juca”[1] pela Zinha; minha bisavó, Castorina (a “Zinha”), estava com 17 anos de idade.

      Eis o que eu sei a respeito do meu bisavô, José Pires Horta Barbosa: nasceu em Leopoldina, onde seus pais moravam, em 04 de julho de 1877; era o primogênito de Antonio Agostinho Horta Barbosa, com a primeira esposa deste, Francisca Pires Horta Barbosa. Contudo, sendo de família católico-romana, seu pai o levou para batismo longe de casa: foi em 25 de agosto do mesmo ano, na paróquia que hoje é a catedral de São Francisco Xavier, na cidade de Itaguaí, Rio de Janeiro. Naqueles tempos, seu pai (engenheiro civil) tinha uma empresa de engenharia com sede na capital federal do império e filial em Cataguases, MG, então distrito de Leopoldina; por meio dela, prestava serviços para o setor de obras públicas do governo imperial. Posteriormente, foi contratado como engenheiro pelo estado de Minas Gerais.

      Quando foi proclamada a república, José Pires estava com 12 anos de idade. Em janeiro de 1893, com 15 anos de idade, José Pires deixou o lar em Leopoldina e foi aprovado na admissão ao “Externato” do então Gymnasio Nacional, no Rio de Janeiro, o qual, posteriormente, passou a ser o renomado Colégio Dom Pedro II; dava, assim, o primeiro passo para a carreira militar no exército brasileiro.  Em 1895, matricula-se na Escola Militar, oriundo do Curso Preparatório[2]. Em janeiro de 1898 já se encontra engajado como 2º sargento do 39º Batalhão de Infantaria do Rio de Janeiro. Em 27 de julho de 1899, enquanto continuava seus estudos na Escola Militar, foi destacado para fazer parte da expedição que investigou importante naufrágio ocorrido na Baía de Guanabara.

      Em 1901 (ou 1902), José Pires conclui o curso de Agrimensura, pelo que deixa o exército para vir trabalhar em Minas Gerais. Agora, veja-se a “coincidência divina”: a profissão de agrimensura era muito valorizada naqueles dias; por qual razão? Tendo sido o império suplantado pela república em 1889, uma grande quantidade de terras de domínio monárquico se tornou em “terras devolutas”, isto é, terras que, mesmo tendo sido precariamente ocupadas por cidadãos do império, eram de propriedade da coroa, isto é, do poder público brasileiro. Como tal, precisavam, agora, ser definitivamente destinadas, fosse por aquisição, fosse por concessão, uma vez que o novo modelo de governo passou a ser republicano. Mas, para isto, precisavam ser geograficamente demarcadas. As cartas geográficas, naqueles tempos, ainda eram muito pobres em precisão. Por isto, os estados componentes da união na república precisavam de agrimensores – muitos – pois o governo federal delegou aos estados a tarefa das demarcações.

      E foi assim que José Pires acabou indo parar em Manhuaçu, sede do primeiro distrito da repartição de “Terras e Colonisação” (como se grafava à época)  fora da capital do estado de Minas Gerais. Muito provavelmente o cargo de engenheiro estadual que seu pai tinha favoreceu a aproximação com o lugar. Dois fatores adicionais certamente contribuíram muito: primeiro, o projeto de expansão da Estrada de Ferro Leopoldina, que visava estende-la desde Carangola até Manhuaçu; segundo, o fato de que seu pai havia sido nomeado chefe no departamento estadual de “terras e colonisação”, em 1900. Ele acabou não tomando posse do cargo, como veremos em capítulo adiante, mas era muito conhecido do militar (Tenente-Coronel Francisco de Souza Mello Netto) que chefiava o distrito sediado em Manhuaçu. Certamente esses fatos contribuíram para a contratação do agrimensor recém-formado, José Pires, naquela cidade da Zona da Mata Mineira. O nome de José Pires consta nas designações do governo do estado para atuar em Manhuaçu, em publicações oficiais sucessivas: 1903, 1904 e 1905.

      Contudo, essa publicação de 1905 não se confirmou em fatos: José Pires morreu novo, em 28 de outubro de 1904, acometido de febre tifóide quando em viagem a trabalho: estava com apenas 27 anos de idade. Naqueles tempos, a região de Manhuaçu ainda estava sob precárias condições de saneamento, e a proliferação do inseto portador da bactéria do tifo ocorria em nível epidêmico; o tifo era, ao lado da cólera, da febre amarela e da varíola, causa de incontáveis  mortes entre a população, especialmente quando próximas de matas e de zonas rurais, como era o caso de Manhuaçu. José Pires não chegou a conhecer a segunda filha, Diva, que nasceria menos de dois meses depois de seu óbito. Naquele ano de 1904, nenhum outro dos irmãos e irmãs se havia casado ainda, e todos moravam com o pai, Antonio Agostinho, em Lambari, MG – dois irmãos e sete irmãs (como veremos em capítulo adiante).

      No tocante à minha bisavó, a “Zinha”, posso dizer: nasceu em Mar de Espanha, MG, no dia 09 de dezembro de 1885. Naquele ano, o pai dela – Basílio José dos Santos Nora – não só estava casado havia menos de um ano de segundo matrimônio, como também tinha deixado a propriedade anterior no município da Barra do Piraí, Rio de Janeiro, para tentar a vida em Mar de Espanha. Do primeiro casamento do seu pai, tinha os irmãos Anníbal, Alice, Aurora e Atalíbia (todos nascidos em Piraí, RJ), com idades variando entre sete e três anos. Na primeira década do novo século, teria ainda mais dois meios-irmãos, na cidade de Pequiá: Alfredo e Álvaro.

      Por curiosidade, está hoje em minhas mãos uma foto de 1927 em que a Zinha, com seu primeiro netinho no seu colo, anota no verso uma dedicatória muito afetuosa à sua irmã, que suponho ser Alice. Na dedicatória, apresenta Divar à irmã e pede as orações dela pelo sobrinho-neto. 

      Mas, vejam-se as ‘coincidências’ divinas: estava nos planos divinos que Castorina viesse a se casar com José Pires, anos mais tarde… Então, a Zinha acompanhou seus pais e seus irmãos na mudança de Mar de Espanha para o Córrego do Japu, nas cercanias de Manhuaçu (onde, hoje, é o município de Santana do Manhuaçu) em 1892: estava com 7 anos de idade, enquanto que Anníbal, o mais velho,  estava com 14. O trajeto de mais uma ‘coincidência’ divina estava sendo desenhado. No Japu (Manhuaçu), passou a ajudar em todas as atividades típicas da produção rural – desde a moenda dos grãos, criação de animais, à produção de garapa e de seus derivados, etc… Como antes dito, casou-se com idade pouco menor que 17 anos naquele lugar onde morava. Do casamento, dois filhos…

      O primeiro filho, nascido em Manhuaçu, recebeu o nome de Francisco Nora Horta Barbosa, nascido em 10/10/1903; já foi retratado, tendo sido o pai de minha mãe. O casal teve ainda, na mesma cidade, uma menina, em quem pôs o nome de Diva [Nora Horta Barbosa]; seu nascimento se deu em 26 de dezembro de 1904 (menos de dois meses após o falecimento do pai, José Pires).  Minha tia-avó Diva viveu apenas 18 anos; faleceu ainda solteira, em 04 de julho de 1923, de “morte súbita”, conforme atestou o médico, na cidade de Carangola onde ela estudava. Tristemente, 04 de julho foi data de dupla dor para minha bisavó, a Zinha: além de ter perdido a filha nesse dia, era a lembrança da data de aniversário do esposo – José Pires. Ou seja: Diva faleceu na data em que seu pai completaria 46 anos de idade, caso estivesse vivo. Curiosidade: em lembrança a ela, o irmão Francisco e a esposa deste, Eunice, que se casaram dois e meio anos após a morte dela, combinaram que, se o primeiro filho fosse uma menina, chamar-se-ia Diva; se fosse menino, seria Divar, como de fato ocorreu.

      Por volta de 1918, o filho Francisco foi para Valença, RJ, para prosseguir seus estudos; o pai – Basílio – que já tinha sido vereador de Manhuaçu, já não possuía a fazenda do Japu e permanecia muito mais tempo fora de Manhuaçu (veremos porque adiante). Então, a Zinha mudou-se para Alto Jequitibá, onde seu irmão Anníbal era pastor e educador; levou consigo a filha Diva. Seu pai, Basílio e sua mãe, Ricardina, também acabaram por estabelecer ali seu novo domicílio. Naquela cidade, Castorina veio a exercer a função de agente federal dos correios, ao tempo em que seu filho se tornou professor do novo ginásio da cidade.

      Foi no início dos anos Vinte que Castorina foi nomeada agente dos correios na cidade de Alto Jequitibá. A agência dos correios ficava uma rua abaixo do leito da ferrovia, a Estrada de Ferro Leopoldina.  Naqueles tempos, a expansão da via férrea já tinha atingido a cidade: chegou a Alto Jequitibá em 1912; em 1914 chegou a Manhumirim e em 1915 chegou a Manhuaçu. Por Alto Jequitibá, literalmente cortava dois planos topográficos: o da rua principal, abaixo e o do patamar da Igreja Presbiteriana, acima. Minha mãe se recordava dos tempos em que ela e o irmão, Divar, chegaram a ajudar a Zinha em seu ofício, buscando malotes do correio na estação ferroviária; isto se deu mais frequentemente quando estes dois netos, que eram os mais velhos, com ela ficaram na cidade, enquanto Francisco e Eunice se mudaram para Governador Valadares, com as três outras filhas de então. Hoje, nem a ferrovia existe mais: desativada, teve seus trilhos retirados em 1972.

      Após o falecimento de seu pai Basílio (1932), e de sua mãe Ricardina (1938), Castorina ainda manteve relações com as irmãs com as cunhadas (de ambos os lados) e os cunhados: algumas visitas (especialmente à cunhada Hortência[3]), além de certa troca de correspondência. Depois, em 1944, mudou-se para Governador Valadares, para onde o filho já se tinha mudado com a família; isto ocorreu cerca de três anos após a mudança do filho com a família.

      A partir do ano do falecimento da nora Eunice, em 1948, a Zinha foi companhia constante do meu avô e também do restante da família; por assim dizer, ele, netos e já um bisneto eram tudo que se lhe havia restado do lar que constituíra, no início daquele século. De Valadares não mais saiu, até o ano de 1965, quando veio a falecer; naquele tempo, ela estava a residir com meu avô no antigo “Pastoril”, hoje o bairro São Pedro da cidade. Na manhã de uma quarta-feira, 10 de fevereiro de 1965, depois de um período de enfrentamento de dores e dificuldades respiratórias, testemunhei quando a ‘Zinha” deu seu suspiro final, aos 79 anos de idade.

      Os caminhos das ‘coincidências’ divinas são inimagináveis, enquanto não se concretizam. Mas Deus, sendo Deus, tem todos os planos muito bem resolvidos, para a realização de Seus propósitos – coisa que nem sempre descortinamos bem.  E nem por isto deixam de ser sábios e bem medidos, todos os Seus projetos!

Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? E nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai. Pois até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados (Mateus 10.29,30, NVI)

NOTAS:

[1] Enquanto era “Juca” para a esposa, era “Nhonhô” para a família paterna. O ‘primo’ João Luiz Horta Barbosa, médico na cidade de Camaquã, RS, detentor de grande acervo da família “Horta Barbosa”, enviou-me escrito sobre meu bisavô em que o irmão Luiz o tratava com esse apelido de família. João Luiz é neto do irmão nascido depois de José Pires, a saber, Luiz Pires Horta Barbosa (por ser ele, João Luiz, filho de Gil, o primogênito do tio Luiz).

[2] De acordo com publicação no Diário Oficial da União (Arquivo Nacional); cópia em meu poder.

[3] Embora batizada como Maria Hortência (com “c”), nome constante nos documentos oficiais, tia Hortênsia fazia questão de assinar com “s”, e cobrava que assim se fizesse em relação ao seu próprio nome: “Hortênsia”!

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