E como se deu a ‘coincidência’ de minha mãe pertencer também à família Nora? A avó de minha mãe – a “Zinha”, já antes retratada – era filha do Capitão Basílio Nora e de sua segunda esposa, Ricardina Roux Nora; o título de capitão se devia à sua patente na Guarda Nacional, à qual foi incorporado antes de migrar para Minas Gerais.

      De acordo com o Dicionário das Famílias Brasileiras[1], “Nóra” é um sobrenome de família que se estabeleceu no Vale do Paraíba fluminense oriunda do Comendador Manoel José dos Santos Villa Nova [Nora] que, segundo o autor, teria atuado como comerciante de importação e exportação no Rio de Janeiro. A informação naquele dicionário parece errar em alguns detalhes: diz que o Comendador Manoel José era brasileiro, quando, na verdade, era português, escrivão do juízo criminal na cidade do Porto, onde recebeu seu título e onde faleceu; atribui a ele o sobrenome Nora, quando, na verdade, ocorreu uma re-transição de “Villa Nova” para “Nora” a partir de seus filhos[2]. E mais: informa da numerosa prole com sua esposa Rita de Cássia Cerqueira, quando, na verdade, não teve nenhum filho com essa segunda esposa – todos os filhos são do primeiro matrimônio, como veremos em seção adiante[3].

      Entretanto, a imigração desse ramo Nora não foi caso único no Brasil. O sobrenome Nora é encontrado em vários lugares do mundo: o país onde predomina é a Indonésia; depois, seguem-se Marrocos e Egito, situando-se o Brasil em quarto lugar e a Índia em quinto. Na Europa, a predominância absoluta é na península ibérica (mais em Portugal do que na Espanha); entretanto, são também encontrados na França e na Itália. Por ser identificado entre os sobrenomes sefarditas na Espanha (assim como em Portugal), está entre os sobrenomes beneficiados com a eventual legislação a conceder cidadania espanhola por origem sefardita. Não é provável que o sobrenome venha de um único tronco: “nora” é um vocábulo que se encontra tanto na língua hebraica (transliterado como norah), quanto na árabe (transliterado como noora e, às vezes, como nura), e ainda nas raízes clássicas da língua grega (nora). Em todas essas línguas carrega o significado de “luz”. Curiosamente, há considerável número de cidades com este nome em países diversos, tais como Suécia, Austrália e Estados Unidos da América. O contingente do Brasil veio, predominantemente, da Ibéria e, em seguida, da Itália.

      Basílio José dos Santos Nora nasceu em 10 de agosto de 1855 na cidade de Piraí, Rio de Janeiro (mais precisamente, São João Batista do Arrozal do Pirahy, como na época se chamava). Era filho de Antônio José dos Santos Nora (1829-1877), com Anna de Jesus Maria da Conceição Breves Torres (1836-?); Antonio José era português do Porto. Em 05 de agosto de 1876, Basílio casou-se com sua prima Maria Rita Monteiro de Queiroz. Como ainda vigorava o regime escravagista no Brasil, receberam dote de oito escravos junto com a fazenda que herdaram.

      Em Piraí, ao casal nasceram 4 filhos: Anníbal (que veio a casar-se com Constância Lemos), Aurora (que veio a casar-se com Modesto Mauricio de Oliveira), Atalíbia (que veio a casar-se com Belarmino Lino Bacelar) e Alice. Em 1883, Basílio vendeu a propriedade em Piraí, vindo para o outro lado da fronteira, a saber, para Minas Gerais; em Mar de Espanha Basílio adquiriu a Fazenda Recreio. Pouco depois de adquirir a Fazenda Recreio, onde retomou atividades rurais, faleceu a sua esposa, quando o filho mais velho tinha sete anos, e a mais nova tinha dois anos incompletos. Com quatro filhos pequenos, Basílio contraiu novas núpcias cinquenta dias depois do óbito de Maria Rita. Sua nova esposa, de Mar de Hespanha (grafia da época), era Ricardina Roux, filha de um casal importante da cidade: Antonio Roux e Eva Roux. Desse segundo casamento nasceu Castorina Nora, em 1885.

      Embora tivesse sido um patrão sempre magnânimo com seus empregados, Basílio também precisou se adaptar aos novos tempos, a partir da abolição da escravatura. Assim, a Fazenda Recreio foi vendida, e Basílio ainda tentou mais alguns negócios, em Mar de Espanha e em Juiz de Fora, até que resolveu mudar-se para a Zona da Mata Mineira.

      Em 1892, Basílio chegou com sua família à terra que adquirira, no Córrego do Japu, distrito de Santana do Manhuaçu, no município de Manhuassu (como na época se escrevia). Nesta cidade, se tornou influente, e até exerceu um mandato de vereador, ao final do século XIX. Por ser, também, da Guarda Nacional, certamente foi elemento de resistência no levante conhecido como “República de Manhuassu” (1896). No início de 1903, o filho mais velho, Anníbal, estava no interior paulista, encaminhando-se para estudos visando o ministério pastoral presbiteriano; ao que tudo indica, todas as filhas já se haviam casado. Após o casamento da filha mais nova, vendeu sua propriedade rural do Japu e mudou-se para Carangola, onde passou a explorar uma fábrica de sabão, além de representar um grupo comercial do Rio de Janeiro.

      No tempo de suas viagens, Basílio acabou gerando dois outros filhos – Alfredo Nora (1905-1992) e Álvaro (1906-) – com certa jovem por nome de Luíza da Conceição, residente no distrito de Pequiá, município de Iúna, estado do Espírito Santo. Álvaro teve sete filhos e Alfredo teve onze filhos; boa parte de seus descendentes ainda se encontra na localidade; alguns outros, em cidades vizinhas e até na capital do estado. De Alfredo, vivem ainda oito filhos; de Álvaro, vivem ainda cinco.

      Em 1907, Basílio Nora readquiriu uma propriedade na região de Manhuaçu – mais precisamente, no distrito de São Sebastião do Sacramento, caminho para Caratinga; no entanto, nesse mesmo ano passou a dividir seu tempo com atividades em sua terra natal, onde o irmão, Coronel Henrique José dos Santos Nora, era fazendeiro e tinha grande influência. Entre as atividades ali, foi, inicialmente, delegado de polícia e também advogado ‘provisionado’; posteriormente, tornou-se procurador da câmara municipal, o que prevaleceu até por volta de 1916. No campo da atuação social, ajudou a fundar, juntamente com seu irmão, o Asilo Pinheiro, no ano de 1913.

      De 1916 para 1917, estando viúva sua filha Castorina, vendeu a pequena propriedade de São Sebastião do Sacramento e estabeleceu domicílio na cidade de Alto Jequitibá, onde seu filho mais velho se tornara pastor e educador. Também naquela cidade a sua esposa, Ricardina, se tornou conhecida e respeitada parteira, a partir de então. Igualmente por esse tempo, a filha Castorina se mudou para a mesma cidade, onde, mais tarde, se tornou agente federal dos correios.

      Uma das marcas da vida de Basílio era o incentivo aos estudos e à cultura: em cada propriedade rural, ele colocava em funcionamento uma escola primária e uma escolinha de música.

      Nos anos da década de Vinte, já com mais de 65 de idade, Basílio restringiu suas viagens a negócio, mantendo-se por mais tempo em Alto Jequitibá. Nos registros eclesiásticos de 1926, da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, Basílio é contado entre os membros do primeiro “Esforço Cristão”, agremiação que mobiliza os homens da igreja para trabalhos específicos (hoje chamada de UPH-União Presbiteriana de Homens); isso é indicativo de que tenha suplantado sua antiga devoção religiosa: criado no catolicismo romano, Basílio chegou a exercitar-se na doutrina kardecista por muito tempo.

      No ano de 1932, chegando aos setenta e oito anos de idade, Basílio Nora já se ressentia de insuficiência renal. Foi levado para o Hospital Evangélico da cidade do Rio de Janeiro, onde ficou internado por alguns dias; ali veio a falecer em 11 de setembro de 1932, tendo sido sepultado na mesma cidade. Sua viúva, Ricardina, continuou residindo em Alto Jequitibá, Minas Gerais, junto à sua filha Castorina e à família do neto Francisco; faleceu e foi sepultada naquela cidade, em 08 de novembro de 1938.

      Pode alguém achar que tudo é coincidência… Mas, a verdade é: “Nos céus, estabeleceu o Senhor o seu trono, e o seu reino domina sobre tudo” (Salmos 103.19, ARA).

[1] Dicionário da Famílias Brasileiras é obra de referência no gênero, de Carlos Eduardo de Almeida Barata e Antonio Henrique da Cunha Bueno, publicada em 2001 pela editora Árvore da Terra, São Paulo, SP.

[2] De acordo com minhas pesquisas, o sobrenome “Villa Nova” foi adotado em determinados tempos e lugares substituir o sobrenome “Nora”, de comprovada origem sefardita. No caso dos “Nora” do Porto, “Villa Nova” fazia alusão à região distrital de mesmo nome no entorno daquela grande cidade, cujo nome deu originou o nome do próprio país (Porto Cale). É de se notar que a Inquisição portuguesa teve seu fim definitivo somente em 1821, embora já em declínio nas décadas anteriores; também já em declínio estava a Inquisição espanhola, com fim definitivo em 1834. Por óbvio, restrições quanto a nomes que remetiam à diáspora judaica estavam em decadência.

[3] Tenho posse de cópia do testamento deixado pelo Comendador Manoel José dos Santos Villa Nova (Nora), lavrado em 1868, sete anos antes de sua morte.



3 respostas

  1. Querido primo Rev. U, parabéns pelo excelente trabalho.
    Pergunto: Tem informações comprováveis de que uma de nossas parentas Horta Barbosa tenha sido engravidada por Pedro I? Que seu pai houvera rejeitado dote dado pelo Imperador, quando este, era rei de Portugal?

    1. Caro primo
      Ainda pretendo falar do casal Luis Antônio Barbosa (o “Conselheiro”: 1814-1860) e sua esposa Antônia Luiza Rodrigues Horta (1815-1905), que se tornou Antônia Luiza Horta Barbosa, quando se casou em 1840 (depois, conhecida como “Antônia do Cafezal”); foram os pais do trisavô Antônio Agostinho Horta Barbosa, e mais 14 filhos. Ela, era filha de José Caetano Rodrigues Horta Filho e Bárbara Eufrosina Rolim de Moura. Este mesmo casal tinha também uma filha chamada Florisbela Umbelina Rodrigues Horta (irmã da Antônia do Cafezal); segundo os historiadores, Florisbela Umbelina teve uma filha de Dom Pedro I, por ele posteriormente reconhecida, que recebeu o nome de Inácia Carolina Horta (1827-1889). Também de acordo com historiadores, Florisbela se casou ainda na gravidez com honrado cidadão, pelo que não houve, mesmo, espaço para dote imperial (a não ser que – hipótese não descartável – o dote tenha sido um elemento combinado para o casamento. Note que, neste caso, não se trata de uma “Horta Barbosa”, e sim de uma “Horta”. Quando Dom Pedro I foi embora para Portugal, a menina tinha 4 anos de idade, e Florisbela Umbelina já estava casada. Aliás, historiadores dizem que Dom Pedro I teve mais filhos fora dos dois casamentos do que neles.

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